A Valoração Aduaneira

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Valor aduaneiro é conceito jurídico adotado desde a Constituição Federal até simples instruções normativas, e cuja definição, conteúdo e alcance, portanto, não podem oferecer – ou não deveriam oferecer – espaço para digressões (Art. 110 da Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional).

É comumente aceito como o valor da transação, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino.

Trata-se de conceito estabelecido internacionalmente, com a finalidade específica de padronizar a base de cálculo do Imposto de Importação, refletindo também, por conseguinte, na composição da base de cálculo de todos os demais tributos incidentes sobre as operações de importação. Daí a significativa relevância da matéria.

Mas se teoricamente há relativo consenso quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance jurídicos da expressão valor aduaneiro – consenso, todavia, corrompido pela Lei nº 10.865/04, que instituiu as contribuições PIS e COFINS incidentes sobre operações de importação e tentou estender o seu alcance –, o mesmo não se pode dizer quando se vai da teoria à prática.

A controvérsia ganha corpo quando a Autoridade Aduaneira levanta alguma dúvida a respeito do valor aduaneiro declarado pelo contribuinte, parametrizando então a operação para o canal cinza de conferência aduaneira.

Nasce aí um conflito de interesses entre a Administração Aduaneira (Estado) e o Administrado (contribuinte importador), cuja solução depende da formalização de um verdadeiro processo administrativo de valoração aduaneira, que consiste na sucessão de atos (da Administração Aduaneira, do Administrado e da Administração Julgadora) que convergem para uma composição, revelando e declarando o valor aduaneiro, respeitados o contraditório e a ampla defesa .

Percebe-se, portanto, a existência de duas formas de valoração aduaneira: (i) valoração consensual, realizada pela simples declaração do contribuinte; e (ii) valoração contenciosa, provocada pela Administração Aduaneira, e operacionalizada mediante o devido processo legal administrativo.

Porém, o procedimento e os critérios a serem adotados na hipótese de valoração contenciosa não encontram uniformização.

Identifica-se, na prática, ao menos três procedimentos diferentes utilizados aleatoriamente pela Receita Federal do Brasil: (i) métodos substitutivos ou seqüenciais; (ii) custo de produção; (iii) arbitramento puro.

O primeiro procedimento, pelos métodos substitutivos, é determinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira, fruto da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, em que foi aprovado o Acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994, realizada na Capital do Uruguai Montevideu no ano de 1994, e cuja ata final assinada pelo Brasil foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, incorporando-se ao ordenamento jurídico nacional com natureza e efeito de lei ordinária (STF).

O procedimento dos métodos substitutivos foi ratificado pelo art. 76 do Decreto nº 4.543/2002 (Regulamento Aduaneiro) e pela Instrução Normativa SRF nº 327/2003.

Consiste, basicamente, na adoção de um primeiro critério de identificação do real valor aduaneiro, e de cinco outros critérios subsidiários e seqüenciais fictícios, quatro deles de presunção, um de arbitramento.

O primeiro critério – valor real –, chamado de método primeiro, é o mesmo que o contribuinte deve adotar quando realiza a valoração consensual, e assenta-se no valor da transação, que, como visto anteriormente, deve corresponder ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino.

Este o valor aduaneiro por excelência, pelo que, só pode ser rechaçado se a documentação apresentada pelo importador for omissa, ou carente de credibilidade.

E para comprovar a fé do valor aduaneiro apurado pelo referido método primeiro devem ser necessários, mas também suficientes, os documentos exigidos do importador pela legislação aduaneira : (i) conhecimento de carga; (ii) fatura comercial; (iii) romaneio de carga (packing list), desde que, regularmente consularizados; e (iv) contrato de câmbio, autenticado.

Poderão corroborar a valoração pelo método primeiro: (v) contrato de compra e venda internacional; (vi) correspondências trocadas entre importador e exportador; (vii) listas de preço do exportador, com divulgação pública; documentos, todavia, que não são obrigatórios.

Se o importador não conseguir comprovar a legitimidade do método primeiro (valor real da transação), e apenas nesta hipótese exclusiva, aplica-se, seqüencialmente, os outros cinco métodos substitutivos, que nada mais são do que critérios de presunção e/ou de arbitramento.

Toma-se então como referência para a valoração, na seguinte ordem obrigatoriamente seqüencial : o valor de outras transações com mercadorias idênticas, realizadas entre comerciantes dos mesmos países e na mesma época (método segundo); o valor de outras transações com mercadorias similares, realizadas entre comerciantes dos mesmos países e na mesma época (método terceiro); o valor de revenda no mercado interno do país importador, de mercadorias idênticas ou similares (método quarto); o custo aproximado de produção da mercadoria, somado às despesas comerciais e suposto lucro (método quinto); e, finalmente, o arbitramento puro, sem qualquer critério específico (método sexto).

É importante insistir em que a progressão de um método para o outro só será legítima se impossível a aplicação do antecedente. Trata-se de condição de procedibilidade inafastável, ainda que o valor real da transação, devidamente comprovado pelo importador, seja inferior ao valor da média de outras operações de importação com mercadorias idênticas ou similares, realizadas entre os mesmos países, ou no mercado interno, no mesmo período.

A única exceção quanto à ordem seqüencial está na utilização dos métodos quinto e sexto, que podem ser adotados alternativamente, desde que, é lógico, impossível a adoção seqüencial de cada um dos antecedentes.

Contudo, algumas vezes a Autoridade Aduaneira simplesmente ignora os documentos apresentados pelo importador, ainda que consularizados e autenticados; ignora a existência de outras operações – de importação ou no mercado interno – com mercadorias idênticas e/ou similares, e aplica diretamente o método de custo de produção, ou, o que é pior, promove arbitramento sem qualquer critério ou referência.

Logo, os outros dois procedimentos de valoração contenciosa referidos no início, adotados pela Receita Federal do Brasil como se fossem procedimentos autônomos, correspondem, na verdade, à adoção direta, e, portanto, supostamente ilegítima e ilegal, do método quinto e do método sexto vistos acima.

Infere-se do exposto que, diferente da postura que se verifica na prática, a legislação aduaneira não estabelece e não autoriza três procedimentos de valoração aduaneira autônomos, mas apenas um, o procedimento dos métodos substitutivos disciplinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira, cuja observação representa direito líqüido e certo dos contribuintes.

Alexandre Medeiros Régnier
Advogado – OAB/PR 24.542
Janeiro/2008

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